domingo, 3 de fevereiro de 2008


A ideia de me abrirem a cabeça e colocarem lá um ouvido biónico não me assustou nada. Bem pelo contrário, fiquei super entusiasmada.
Fui à descoberta, pois não sabia muito bem o que iria sair dali.

A operação não levantou complicações nenhumas, mas só passado um mês é que seriam testados os efeitos desta.
Nesse dia o técnico deu-me o processador de fala e, literalmente falando, ligou o meu novo ouvido ao computador dele.
“Quando ouvires alguma coisa, avisa” disse-me ele.
Estava na expectativa, e os segundos que se seguiram foram dos mais longos de que me lembro.
Não estava a “ouvir” nada, e começava a formar-se em cima de mim uma gigantesca nuvem negra.
Permaneci quieta na cadeira, e atenta, à espera...
Ele olhava para mim, calmo, e de repente comecei a sentir uma náusea.
“Meu deus”, pensava eu “Queres ver que vou vomitar agora??”
Demorei um pouco a perceber que aquele sensação estranha que me estava a fazer a cabeça andar à roda, ou a flutuar, como eu sempre digo, era algo ritmado que ressoava dentro de mim.

Puuu... puuu.... puuu...

Olhei para ele, e a medo disse
“Acho que estou a sentir alguma coisa”

“Pois estás! Há muito tempo!” respondeu-me com prontidão.

Foi a minha primeira experiência no meu novo mundo de ouvintes.
A partir daí tudo foi descoberta. E tudo era confuso.
O mais complicado foi ouvir a minha própria voz, ao ponto de eu evitar falar para não me baralhar!

Aprender a ouvir de novo, requereu muita paciência e aprendizagem, e contei com muitas ajudas para conseguir chegar onde estou hoje.

Um aparelho, gentilmente, transforma os sons em estímulos e transmite-os directamente ao meu cérebro, permitindo-me estar neste mundo e viver a minha vida de forma independente e compatível com as exigências do dia a dia.
Mas, à noite quando me deito, mergulho de novo na escuridão do silêncio.
E é nessa altura que estou no mundo tal como a vida me deixou.
E sou feliz assim.

5 comentários:

@Memorex disse...

Simplesmente maravilhoso, naquele momento estava assustada e ao mesmo tempo feliz, depois de estar 1 mês silenciosa - é que o meu ouvido praticamente deixou de funcionar.

Na activação... emetia um apito e eu pensei logo: espera ai, o que é isso? Será um novo som? È tão diferente! Sim!! Ouço estes apitos fulminantes" :)

È bom ouvir, é á noite submeter-nos no mundo silencioso, nos sonhos de embalar :)

Fabuloso este texto!

Beijinho
Memorex

Rafael disse...

Esta é a faceta que eu não gosto na blogosfera, testemunhos fantásticos como este são quase ignorados, enquanto uma imagem engraçada recebe inúmeros comentários...

Um beijo, e parabéns pelo texto fantástico.

Susana disse...

linda...lembro-me bem dessa transição...foram momentos emocionantes..ver as tuas reacções a uma série de ruídos que já ninguém ouve pelo hábito...o som quase imperceptível das teclas do computador..a passarada a piar ao longe.. o pisca do carro..
Inesquecíveis foram também as primeiras experiências de karaoke desafinado, lembras-te?

Beijo grande

Z disse...

rafael
Acho que na blogosfera há uma tendência generalizada para procurar algo que nos "entretenha".
O que acontece é que, muitas vezes, aquilo que temos para dizer não é mais do que uma ou outra experiência de vida. E quem quer saber?...

Beijinhos e obrigada

Z disse...

susaninha
tu bem sabes como foi :)
e nem me fales dos pássaros... estão em todo o lado!!!

ai o karaoke... inesqucível... imperdível! :D

"You are the dancing queen, young and sweet, only seventeen
Dancing queen, feel the beat from the tambourine
You can dance, you can jive, having the time of your life
See that girl, watch that scene, dig in the dancing queen"