segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Melodias

Esta manhã, durante a viagem que faço diariamente para o trabalho, liguei a rádio.
Tendo em conta que vivi dois terços da minha vida em silêncio, sei que nos tempos actuais os programas de rádio estão bastante evoluídos. Uma das vozes que ainda pairam na minha memória, era de um locutor que dizia “Tooodooos no tooooopeeeeeee”. Recordam-se? :D

Falando desses programas, tenho pena de não conseguir acompanhar, e a verdade é que ignoro todo e qualquer conceito de humor radiofónico. A título disso, afirmo mesmo que gostava imenso de ouvir o programa do Nuno Markl, com o seu humor corrosivo, mas é algo que (ainda) está muito além das minhas possibilidades ouvintes.

Uma coisa que me irrita profundamente é quando o locutor ainda está a falar, e já tem música a tocar por trás, ao mesmo tempo, facto este que acontece também na Tv e no Cinema. É que é lixado tentar captar a informação que realmente interessa no meio de tanto “ruído”.
O mesmo se aplica a simples conversas (entre mim e um ou mais intervenientes) que ocorram em ambientes ruidosos.
E-S-Q-U-E-Ç-A-M!
Nessas alturas, o que me vale é a minha (bendita) capacidade para a leitura labial!

Para conseguir usufruir da minha audição, tem de ser uma coisa de cada vez.
Uma voz nítida num ambiente calmo.
Uma música rompendo o silêncio, permitindo-me desfrutar de cada nota, de cada acorde de cada instrumento até conseguir chegar ao âmago da música. Por isso tenho tendência a elevar o som da aparelhagem/rádio/tv, quando alguma me prende a atenção.
Não é por a ouvir mal (porque não ouço, dado que actualmente ouço mais até do que uma pessoa ouvinte), mas por necessitar que ela se sobreponha a qualquer ruído envolvente.

Nesta jornada, tenho descoberto algumas melodias que me são significativas.

Mas de uma coisa tenho a certeza…

Para mim a melhor música continua a ser aquela criada por uma imagem de papoilas ondulantes que pintalgam de vermelho um enorme campo verdejante.
Porque sem qualquer tipo de som, consigo VER toda a melodia lá presente, quanto mais não seja pela vontade terrível de querer correr por entre elas.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

domingo, 3 de fevereiro de 2008


A ideia de me abrirem a cabeça e colocarem lá um ouvido biónico não me assustou nada. Bem pelo contrário, fiquei super entusiasmada.
Fui à descoberta, pois não sabia muito bem o que iria sair dali.

A operação não levantou complicações nenhumas, mas só passado um mês é que seriam testados os efeitos desta.
Nesse dia o técnico deu-me o processador de fala e, literalmente falando, ligou o meu novo ouvido ao computador dele.
“Quando ouvires alguma coisa, avisa” disse-me ele.
Estava na expectativa, e os segundos que se seguiram foram dos mais longos de que me lembro.
Não estava a “ouvir” nada, e começava a formar-se em cima de mim uma gigantesca nuvem negra.
Permaneci quieta na cadeira, e atenta, à espera...
Ele olhava para mim, calmo, e de repente comecei a sentir uma náusea.
“Meu deus”, pensava eu “Queres ver que vou vomitar agora??”
Demorei um pouco a perceber que aquele sensação estranha que me estava a fazer a cabeça andar à roda, ou a flutuar, como eu sempre digo, era algo ritmado que ressoava dentro de mim.

Puuu... puuu.... puuu...

Olhei para ele, e a medo disse
“Acho que estou a sentir alguma coisa”

“Pois estás! Há muito tempo!” respondeu-me com prontidão.

Foi a minha primeira experiência no meu novo mundo de ouvintes.
A partir daí tudo foi descoberta. E tudo era confuso.
O mais complicado foi ouvir a minha própria voz, ao ponto de eu evitar falar para não me baralhar!

Aprender a ouvir de novo, requereu muita paciência e aprendizagem, e contei com muitas ajudas para conseguir chegar onde estou hoje.

Um aparelho, gentilmente, transforma os sons em estímulos e transmite-os directamente ao meu cérebro, permitindo-me estar neste mundo e viver a minha vida de forma independente e compatível com as exigências do dia a dia.
Mas, à noite quando me deito, mergulho de novo na escuridão do silêncio.
E é nessa altura que estou no mundo tal como a vida me deixou.
E sou feliz assim.

sábado, 2 de fevereiro de 2008